Encontro foi permeado pela discussão acerca das exigências ambientais, das restrições ao uso de pesticidas e da rastreabilidade por parte da União Europeia. Produtores mundiais dizem não ser possível cumprir a legislação proposta em curto espaço de tempo, acreditam em ‘exageros’ e em desconhecimento por parte do parlamento europeu
O Conselho Nacional do Café (CNC) participou como painelista na manhã desta terça-feira, 12/07, do 3º Fórum Mundial dos Produtores de Café. O encontro aconteceu virtualmente e contou com a presença de representantes de praticamente todos os países produtores de café do mundo. O Brasil foi representado por Silas Brasileiro, presidente do CNC, que apresentou o painel “a visão do CNC sobre a produção de café do Brasil: desafios e oportunidades”.
Silas fez um panorama atual da cafeicultura brasileira destacando que o café é produzido em diferentes biomas. Deu detalhes sobre os 16 estados produtores demonstrando há no país predominância do café Arábica, mas que o Conilon também é muito representativo, principalmente no Espírito Santo e em Rondônia.
Sobre a produção brasileira, Silas Brasileiro elencou cinco pontos que são grandes desafios do setor: a proibição do uso de alguns princípios ativos de pesticidas; as condições climáticas adversas; a falta de mão-de-obra no campo (trabalhador não quer perder o auxílio governamental); a falta de definição do termo “trabalho análogo à escravidão” e a falta de preço remunerador.
Como pontos positivos da produção nacional destacou a pesquisa e a tecnologia, com investimento de mais de R$ 400 milhões nos últimos anos; a produção sustentável com viés social, já que 330 mil famílias produzem café no Brasil, sendo 78% pequenos produtores, com uma geração de 8,4 milhões de empregos diretos e indiretos em toda a cadeia cafeeira; o sistema cooperativista, mostrando que há 175 anos as cooperativas de produção e as de crédito estão no país, representando 1 milhão de produtores rurais, dentre ele 330 mil cafeicultores, em 1173 cooperativas agropecuárias, sendo 97 de café; o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (funcafé), conhecido como o banco do produtor de café, que dispôs R$ 6,058 bilhões para financiamento exclusivo na cultura cafeeira; e por fim, as boas práticas ambientais, comprovando que a produção de café amazônico, por exemplo, acontece em áreas antropizadas, sem que haja a necessidade de arranquio de uma árvore sequer para que o café seja cultivado na área.
Além disso, apresentou os projetos de incentivo permanente de práticas conservacionistas através da revitalização de bacias hidrográficas e das matas ciliares de regiões produtoras de café, garantindo água em quantidade e qualidade. Silas Brasileiro falou também do projeto Café Carbono Neutro que promoveu a comprovação científica de que a cafeicultura retém 10,5 toneladas de CO² por hectare/ano.
Exigências em xeque
As exigências impostas pela União Europeia foi o ponto central de discussão do Fórum. Há consenso entre os produtores e as entidades representantes mundiais do setor de que existem exageros na lei proposta – que está em tramitação no Parlamento Europeu – e que em um curto espaço de tempo é impossível alcançar as metas exigidas. Para o moderador do painel, Roberto Vélez Vallejo, porta-voz da Federação Nacional dos Cafeicultores da Colômbia (FNC), o Fórum foi preponderante para o alinhamento da defesa dos produtores de café de todo o mundo com relação às pressões sofridas pelos países em atender as exigências da UE. “Podemos nos reunir para tratarmos novas questões que ameaçam ou que colocam um encargo maior no nosso setor. Hoje discutimos algo crucial para nós. As regulamentações ambientais e de importação nos países consumidores são eficazes e realistas ou será que vão piorar a situação ao expulsar os agricultores da produção de café? Muitos acreditam que essas regulamentações não estão contemplando as realidades com que nos defrontamos nas nossas fazendas, nos nossos países”, criticou, ressaltando que qualquer mudança demanda tempo de adaptação.
“Vou lhes dar alguns exemplos: é crucial que qualquer medida tomada por autoridades nos países consumidores, que venha regular as importações de café, tenha que ser implementada gradualmente. Nós não estamos prontos para arcar com os custos e não temos o tempo para fazer grandes mudanças em como produzimos, vendemos, fazemos o trading, exportamos e importamos café. Precisamos de previsibilidade”.
Vélez considera que as sanções propostas podem não se tratar apenas de preocupação ambiental. “Será que estamos nos deparando aqui com um interesse genuíno de ajudar o meio ambiente e de iniciar um ciclo de sustentabilidade? Uns talvez digam que sim, mas outros, como o professor Jamie Coats, dizem que precisamos de uma abordagem muito mais multidimensional. O grande temor é que podemos estar muito mais defronte de um tipo de ação mais política do ponto de vista doméstico, e isso pode acabar sendo uma outra forma de greenwashing ou de neocolonialismo”, finalizou.
Eileen Gordon, Secretária Geral da Federação Europeia do Café, disse que a entidade acredita existir um descompasso entre as exigências e as realidades. “Essas exigências terão dois impactos de imediato: primeiro se refere a produto de proteção para plantas, herbicidas e pesticidas que são tão necessários para o bem estar das suas lavouras. Um dos objetivos da estratégia ‘da fazenda à mesa’ é reduzir o uso de pesticidas em 50% até 2050. Muito ambicioso esse objetivo. Isso já começou a ser feito por meio da introdução de razões ambientais para rejeitar o uso desses produtos de proteção de plantas. E isso acontece agora não por questões de saúde, mas por questões de meio ambiente. Aí o limite máximo de uso de pesticidas será reduzido a 0,05 mg/kg ou 0,01 mg/kg. Então a União Europeia vai limitar a sua habilidade de proteger as suas lavouras com pesticidas ou herbicidas e assim por diante. Então a UE está impondo o que você pode usar ou não nas suas lavouras”, analisou.
Eileen fez ainda uma abordagem quanto à estrutura que seria necessária para que o café fosse 100% rastreável ao chegar na União Europeia. “O segundo grande impacto que tudo isso pode ter sobre os países produtores se refere à proposta de regulamentação do desmatamento em que se refere à necessidade de haver rastreabilidade por dois meios: o primeiro, a geolocalização e, depois, no sentido de que haja uma cadeia de custódia do lote de terra até o contêiner. Nós importamos 125 mil contêineres, são toneladas de café que vem de 12,5 milhões de fazendas de café, de 60 países produtores. Então, se você fizer o cálculo: cada contêiner de café pode conter duas mil referências de diferentes fazendas de onde vem o café. Se você tiver 150 mil contêineres que entram na UE estamos falando de 300 milhões de entradas de dados que o sistema da UE tem que implementar. Imagina o encargo econômico para os produtores que têm de assegurar a rastreabilidade? Dos torrefadores que importam o café e que precisam atender essas exigências? Tudo isso para quê? Todas essas entradas de dados será que vão assegurar que o desmatamento não está acontecendo? Nós não acreditamos que isso aconteça”, ressaltou.
Para a Secretária Geral existem questões técnicas e práticas para que a rastreabilidade possa assegurar que a cadeia de custódia de cada grão de café – que vem da fazenda para o contêiner – possa ser garantida. Entretanto, Eileen disse que não acredita ser possível neste momento “pelo menos com a tecnologia atual. Mas a pergunta é: nós acreditamos que isso iria ajudar a acabar com o desmatamento? Não! Então, o que estamos fazendo? Nós não estamos tentando desafiar o objetivo, a regulamentação – que achamos ser boa – não queremos que nossos produtos sejam cultivados em áreas de desmatamento, mas estamos tentando explicar qual é a realidade nos países produtores e dar diferentes alternativas e opções. Nós estamos utilizando ferramentas do programa espacial europeu para demonstrar que não é viável, nem prático e nem desejável fazer a rastreabilidade como proposto. A rastreabilidade até o lote de terra não é algo necessário para assegurar que os objetivos da regulamentação sejam atingidos. Podemos passar numa região, de jurisdição e isso é suficiente. Então, é isso que nós tentamos conversar com os formuladores de política europeia”.
Eileen ainda sugeriu que os produtores utilizem esses argumentos com os formuladores de política na Europa. “É só contar a sua história, não é preciso confrontar a decisão deles. Vocês têm que falar sobre a sua luta, sobre os seus problemas. Se vocês falarem com eles que estão desenvolvendo essas políticas eles vão entender o que está acontecendo, provavelmente, e fazer uma legislação mais prática. O que queremos é o comprometimento com relação aos objetivos, mas queremos a justiça”, finalizou.
Juan Esteban Orduz, Presidente da Federação Colombiana de Café conduziu o Fórum e seguiu a mesma linha dos demais participantes. Ressaltou o papel do encontro para a formulação de argumentos consistentes na defesa da cafeicultura mundial e da prosperidade dos produtores. “O Fórum está na vanguarda dessas discussões. Nós mudamos o teor das discussões sobre café. Isso teve início em 2017, todo mundo falava sobre meio ambiente, sobre os indicadores sociais e ninguém falava sobre a renda dos cafeicultores. Nós nos focávamos na sustentabilidade. Uma frase que resume isso é que a pobreza é o maior predador do meio ambiente e da comunidade. Não da para esperar que as pessoas cuidem de outras áreas se não podem alimentar suas próprias famílias. E a discussão evoluiu. Vimos esse conceito que se tornou o principal na discussão, ou seja, como é que podemos trabalhar essa agenda em outros lugares. Mas isso não é suficiente. Muitos de vocês sabem que dar às pessoas uma renda que supra as necessidades básicas para uma vida decente, mais cinco ou dez por cento. Mas isso não é suficiente. Temos que falar sobre prosperidade, essa deve ser a nossa meta. A nova geração de cafeicultores tem que ter uma vida melhor do que a nossa e assim por diante. Nossos filhos melhores do que nós, nossos netos melhores que nossos filhos. Essa é a tendência de prosperidade. Não apenas uma renda que garanta a subsistência. Acreditamos no Fórum que a meta deva ser a prosperidade”.
Para o embaixador brasileiro em Londres, Marco Farani, ninguém discute a necessidade de normas ambientais, mas elas não devem sobrepor a capacidade dos países produtores em cumpri-las. “Nós não somos contra as regras ambientais, todos precisamos dessas regras cada vez mais. Temos a questão da mudança climática que é eminente, mas com relação a essa lei específica, ela traz preocupações porque o impacto que vai ter em toda a cadeia, vai ser muito grande. Pode ser que isso cause um colapso na cadeia de valor, e na entrada do produto no mercado europeu. É importante pensar que a legislação não fala só sobre o café, mas leva em consideração outros produtos também, muitos deles essenciais para a dieta de todos, como a soja, a carne, o milho e outras commodities”, explicou.
Farani disse ainda que alguns parlamentares europeus estão propondo alterações no projeto de lei em tramitação. “Li um relatório recentemente que aponta que foram feitas muitas mudanças, que já foram adotadas pelos parlamentares. Espero que essa lei possa contemplar também as necessidades e levar em conta toda a cadeia de fornecimento dessas commodities. Precisamos de regulamentação, mas precisamos também de ter um pilar sustentável em termos econômicos, assim como social e ambiental, para que tudo funcione bem”, finalizou o embaixador.
Representantes brasileiros em movimento
Silas Brasileiro afirmou que a cadeia cafeeira do Brasil está trabalhando para provar que o café nacional é sustentável em todas as áreas. “Acreditamos que somente poderemos alcançar os objetivos estipulados pelas propostas do mercado europeu, caso os países produtores caminhem juntos. Portanto, ao falarmos de renda, devemos abordar a remuneração do preço do café, pois pouco ou quase nada, se fala. Criam uma série de exigências que oneram no custo de produção como, por exemplo, a rastreabilidade, que além da impossibilidade da implantação imediata – visto a ineficiência da comunicação e da cultura dos produtores – são propostas apresentadas com prazos incompatíveis com a realidade”.
A visão do Presidente do CNC se soma ao posicionamento de Roberto Vélez, da FNC, aonde a viabilidade não pode ser desconsiderada. “Tudo tem a ver com viabilidade. Quem vai pagar por isso? Custa muito tornar qualquer produto rastreável. Será que isso teria que sair do bolso dos produtores? Quem vai pagar pela rastreabilidade? A Covid-19 criou um novo ambiente de muita pressão no mundo todo. Existe também um desarranjo social que pode acontecer de muitas maneiras”, reiterou Vélez.
“Preocupa-nos também a transferência de custos, que deveria ser coberta pelo comércio, entretanto, passam a ser responsabilidade dos produtores. Sabemos que mesmo não tendo preço mínimo do café – pois os preços hoje são de livre comércio – o café necessita que os traders e as indústrias reconheçam que o valor pago pelo café deve ser, no mínimo, compatível com os custos de produção, gerando margem de renda para os produtores e consequente transferência para os trabalhadores”, argumentou Silas Brasileiro.
Internamente, o Conselho Nacional do Café está trabalhando diariamente junto com os demais representantes do setor cafeeiro e o governo do Brasil para buscar uma solução para as sanções propostas por parte da União Europeia. Uma das ações foi a realização do 1º Ciclo de Diálogo da Produção Sustentável – restrição de pesticidas, promovido pelo CNC em parceria com a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) com o apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O evento aconteceu no dia 05 de julho em Brasília.
A realização do seminário teve por finalidade discutir a restrição de moléculas utilizadas em pesticidas por parte da Rainforest Alliance e da Plataforma Global do Café, proibições impostas para o ano de 2023 e 2030, respectivamente. O encontro foi classificado como histórico já que contou com a participação dos diversos atores do setor cafeeiro, entre eles: MAPA, OCB, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), Conselho dos Exportadores de Cafés do Brasil (CECAFÉ), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), indústrias de café torrado, moído e solúvel, cooperativas de produção, Plataforma Global do Café, além das empresas Syngenta e Bayer.
“Além do princípio da sustentabilidade, todos os segmentos do café brasileiro estão engajados em atender às normas sanitárias e aos limites máximos de resíduos, estabelecidos pelos governos nacional e internacional, amparados por estudos técnicos desenvolvidos pela comunidade científica. Tal engajamento vem permitindo ao Brasil atender aos mais diversos e exigentes mercados, levando, anualmente, o nosso café para mais de 122 destinos, além de manter abastecido o segundo maior consumidor mundial de café. Tudo isso dentro da oportunidade e do princípio da busca através da interlocução com os atores envolvidos no encaminhamento positivo para a nossa cafeicultura, encontrando soluções, não no propósito de contestação, mas sim, da solução”, finalizou Silas Brasileiro.
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