O Conselho Nacional do Café – CNC é uma entidade privada que reúne produtores, cooperativas, associações de cafeicultores e federações de agricultura de Estados produtores. Com essa abrangência, a entidade representa um universo de aproximadamente 330 mil produtores, em sua maioria de pequeno porte. Fundado em 1981, por iniciativa de vários líderes da cafeicultura nacional, o CNC tem o intuito de defender e promover os direitos e interesses dos produtores de café do Brasil.
Vale destacar que o CNC é uma das entidades representativas do setor produtivo no Conselho Deliberativo da Política do Café – CDPC, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa, que, em consonância com o Decreto 10.071/2019, tem a finalidade de discutir e aprovar políticas públicas para o setor cafeeiro.
Nesse contexto, em entrevista ao Observatório do Café, do Consórcio Pesquisa Café, o qual é coordenado pela Embrapa Café, o presidente do Conselho Nacional do Café, Silas Brasileiro, recentemente reconduzido ao cargo, fala sobre o cenário atual do café no Brasil, os impactos da adoção de tecnologias pelo setor produtivo e sobre a importância do Funcafé.
Observatório do Café (OC) – Como o CNC analisa o panorama atual da produção de café arábica e robusta, no País?
Silas Brasileiro (SB) – O Brasil, com o investimento feito em pesquisa e inovações tecnológicas, por meio de trabalhos conduzidos pelas instituições que integram o Consórcio Pesquisa Café, possui a mais competitiva e sustentável cafeicultura mundial. Somos líderes em produção e exportação, além de sermos o segundo maior consumidor global. O foco em estudos, tecnologia e extensão permitiu, nas últimas três décadas, que mais que triplicássemos nossas safras, incluindo as variedades arábica e robusta – de 20 milhões para mais de 60 milhões de sacas de 60 kg –, reduzindo a área destinada à cultura em mais de 50%, e incrementássemos nossa produtividade de 9 sacas para mais de 30 sacas por hectare.
OC – Quais foram os desafios enfrentados pelo setor cafeeiro no ano passado e quais os principais resultados alcançados?
SB – O ano de 2020 foi marcado pelos impactos sanitários e econômicos da pandemia da Covid-19. A cafeicultura, contudo, demonstrou-se resiliente. Por meio de materiais orientativos para prevenção e combate à proliferação do coronavírus, os trabalhos foram conduzidos com cautela, mas em ritmo normal, tanto que produzimos a maior safra de nossa história, com 63,1 milhões de sacas. Na esteira do crescimento, registramos exportações recordes, com 44,5 milhões de sacas, e elevação de 1,3% no consumo interno da bebida, que equivaleu a 21,2 milhões de sacas. Esses desempenhos reforçam que o café do Brasil é o mais competitivo e sustentável do mundo, fazendo do país referência mundial e o responsável por poder suprir constantes elevação no volume do produto a ser consumido no globo.
OC – No fim de 2019, após a divulgação do relatório da Organização Internacional do Café (OIC), apresentando aumento de 1,5% no consumo global da safra 2019/2020 e déficit na oferta de 626 mil sacas no período, os preços internacionais reagiram fortemente, atingindo patamares que não eram vistos desde 2017. Qual é a atual relação produção, consumo e remuneração?
SB – O cenário global vem apresentando certo equilíbrio entre oferta e demanda, sem déficit ou superávit significativos. A puxada dos preços esteve muito mais atrelada à realidade das lavouras cafeeiras no Brasil, que sofreram com intenso período de seca e altas temperaturas entre agosto e outubro, principalmente. Assim, os operadores já miraram o futuro e começaram a precificar essa futura quebra na produção nacional, que ocorrerá na safra 2021.
OC – Especificamente em relação ao custo de produção do café, quais insumos impactam mais e o que pode ser feito para que esses custos sejam amenizados?
SB – Para a variedade arábica, nos cultivos mecanizados, com alta tecnologia, os custos mais elevados são com defensivos e insumos agrícolas, que correspondem a cerca de 29% a 35% dos gastos totais. Os defensivos e insumos também encabeçam os desembolsos nos cafezais irrigados, onde representam entre 30% e 43% do total. Nas lavouras com cultivo manual, os custos com a mão de obra são os mais elevados, oscilando de 25% a 45%.
Para o conilon, nos cafeeiros irrigados, tanto em cultivos convencionais, quanto nos semi adensados, os maiores custos de produção se dão com mão de obra, cuja representatividade varia entre 29% e 52%.
Em relação à mão de obra, uma forma de se obter um barateamento seria o desenvolvimento de maquinários para trabalhos de campo, principalmente, em terrenos acidentados e montanhosos, o que diminuiria a necessidade de pessoal na atividade. No que se refere a defensivos e insumos agrícolas, a disponibilização de mais opções de produtos e o desenvolvimento de novas moléculas ou de biofertilizantes ampliaria o leque à disposição dos cafeicultores, reduzindo os preços e focando em sustentabilidade.
OC – Boletim divulgado pela Conab, em janeiro deste ano, com as primeiras estimativas para a safra brasileira de café em 2021, sinaliza redução no volume total de sacas de café beneficiado entre 21,4% e 30,5%, em comparação ao resultado obtido na safra passada. O que poderá acarretar essa redução, depois do setor bater recorde de produção no ano passado?
SB – A queda projetada pela Conab vem ao encontro do ciclo de baixa na bienalidade do café arábica e reflete o impacto da estiagem e das altas temperaturas que assolaram os cafezais, principalmente entre agosto e outubro do ano passado. Contudo, apesar de uma colheita menor, o Brasil não deixará de honrar seus compromissos. Isso porque a safra a ser colhida, somada aos nossos estoques de passagem, permitirá que permaneçamos como principais exportadores mundiais de café e que também abasteçamos nosso mercado interno, compromissos que absorvem, em média, cerca de 60 milhões de sacas ao ano atualmente. E esse volume teremos à disposição com a colheita e o produto armazenado.
OC – Qual tem sido a contribuição da pesquisa agropecuária e quais tecnologias podem ser adotadas pelo setor produtivo para reduzir o efeito da bienalidade na produção de café?
SB – A principal contribuição está ligada diretamente à geração e à transferência de pacotes tecnológicos que viabilizaram o salto de produtividade dos cafezais brasileiros, de 9 sacas/ha, nos anos 90, para 33 sacas/ha em 2020. A elevada produtividade é a base da sustentabilidade da cafeicultura brasileira em suas dimensões: (i) econômica e social: gera renda aos cafeicultores e mantém empregos dignos no campo, com impactos positivos nas economias dos municípios onde o café é cultivado; (ii) ambiental: viabiliza economicamente a conservação de florestas nas propriedades rurais. Em Minas Gerais e Espírito Santo, Estados responsáveis por mais de ¾ da produção brasileira de café, o percentual da área dedicada à preservação da vegetação nativa dentro dos imóveis rurais atinge 33%, totalizando 148.000 Km2 – área próxima à soma dos territórios de Bélgica, Dinamarca, Países Baixos e Suíça.
Em relação às tecnologias para redução dos efeitos da bienalidade, destaco as várias inovações desenvolvidas pelo Consórcio Pesquisa Café relacionadas a podas dos cafeeiros, adubação fosfatada equilibrada e estresse hídrico controlado. Essas são tecnologias que contribuem para o aumento da produtividade média dos cafezais, maior uniformidade das floradas e qualidade dos grãos, além de um manejo integrado de pragas mais eficiente.
OC – Poderia apontar quais tecnologias desenvolvidas pelas instituições participantes do Consórcio Pesquisa Café impactaram positivamente o setor produtivo do café nos últimos anos?
SB – Além das tecnologias supramencionadas, friso o sequenciamento do genoma do cafeeiro, com a identificação de mais de 33 mil genes, o que tem permitido a aplicação da biotecnologia para melhorar a qualidade do café, alcançar maior resiliência às mudanças climáticas e resistência aos problemas fitossanitários. A produção de híbridos superiores também foi um importante avanço, com disponibilização, em curto período de tempo, de clones de elite com várias características agronômicas desejáveis (altas produtividade, qualidade e vigor, resistência à ferrugem, etc). Por fim, menciono a braquiária na entrelinha dos cafeeiros, com seus impactos de melhoria de absorção de água e nutrientes, qualidade do solo e capacidade de sequestro de carbono.
OC – Dentre os atuais desafios da cafeicultura brasileira, quais precisam ter maior atenção do Consórcio Pesquisa Café?
SB – As mudanças climáticas e os surtos cada vez mais imprevisíveis de pragas e doenças demandam atenção, pois reduzem a produtividade e aumentam custos de produção. A cafeicultura precisa ter acesso a mais opções eficientes e viáveis economicamente para o controle de seus principais problemas fitossanitários. A conexão com o mercado consumidor também é fundamental, daí a importância de implantarmos, de forma efetiva, uma cafeicultura 4.0, baseada em tecnologias que aprimorem a rastreabilidade e os processos de certificação, registrando e comunicando aos consumidores as melhores práticas adotadas no campo.
OC – Em relação ao Conselho Nacional do Café (CNC), qual é a atual composição e qual sua missão principal?
SB – O CNC conta com 36 das principais entidades e cooperativas cafeeiras do Brasil em sua estrutura e tem a gestão conduzida pelo presidente executivo Silas Brasileiro, com suporte do coordenador Maurício Miarelli e de nove conselheiros diretores: Carlos Augusto Rodrigues de Melo (Cooxupé), Carlos Sato (Cocapec), Francisco Sérgio de Assis (Federação dos Cafeicultores do Cerrado), Guilherme Salgado Rezende (BSCA), josé Marcos Rafael Magalhães (Minasul), Leonardo de Melo Brandão (Coccamig), Luciano Ribeiro Machado (Bancoob), Luiz Carlos Bastianello (Cooabriel) e Marco Valério Araújo Brito (Cocatrel).
O CNC representa oficialmente o setor da produção de café junto aos órgãos governamentais, Congresso Nacional, demais segmentos da cadeia produtiva, organismos internacionais e à sociedade, propondo e participando ativamente da gestão da política dos interesses dos cafeicultores e de suas cooperativas, visando, entre outros: i) fortalecimento político-institucional e valorização do setor café; ii) preservação do Funcafé e uso inteligente de seus recursos; iii) defesa da renda do setor produtivo; iv) divulgação da sustentabilidade da cafeicultura brasileira; v) ampliação da competitividade do setor produtor; vi) ampliação do market share do Brasil no mercado internacional de café e fortalecimento do consumo doméstico; e vii) mitigar as especulações do mercado.
OC – Em quais fóruns o CNC tem representado o setor produtivo de café do Brasil?
SB – O CNC é membro ativo e reconhecido como interlocutor oficial do setor produtivo de café do Brasil no Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC) e seu Comitê Técnico; na Organização Internacional do Café (OIC); no Conselho do Agro; na Plataforma Global do Café (GCP); e no Comitê do Fórum Mundial de Produtores de Café.
OC – Qual a importância do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira – Funcafé para a cafeicultura brasileira?
SB – O Funcafé, o “banco do café do Brasil”, foi constituído com recursos confiscados dos próprios cafeicultores e é o principal instrumento de crédito rural exclusivo da cafeicultura. Por meio de seus recursos, produtores, cooperativas, industriais e exportadores, todos os segmentos da cadeia produtiva, podem se organizar a cada safra, gerando um equilíbrio que permite que a atividade cafeeira do país seja, aliando esses recursos aos investimentos feitos em pesquisa e inovações tecnológicas, a mais competitiva e sustentável mundialmente. Esse arcabouço financeiro é fundamental para que o café permaneça como o esteio do desenvolvimento de 1.983 municípios brasileiros, sendo cultivado por 330 mil produtores rurais, dos quais 78% são da agricultura familiar; permaneça a gerar 8,4 milhões de empregos ao ano, aproximadamente R$ 35 bilhões de renda no campo e receita cambial aos cofres nacionais da ordem de US$ 5,6 bilhões.
CDPC – atualmente regulamentado pelo Decreto 10.071, de 17 de outubro de 2019, o CDPC é composto por sete representantes do governo e sete da iniciativa privada, sendo três do Ministério da Agricultura, três do Ministério da Economia e um do Ministério das Relações Exteriores. Da iniciativa privada, fazem parte o Conselho Nacional do Café – CNC e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, com dois representantes cada; e a Associação Brasileira da Indústria de Café – ABIC, a Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel – ABICs e o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil – Cecafé, com um representante de cada instituição. Vale ressaltar que as Portarias Mapa 345 e 346/2020 estabelecem que a Embrapa Café integra o CDPC e seu respectivo Comitê Técnico como convidada, em caráter permanente.